GANA, TOGO E BENIM

Quando informei as pessoas que iria viajar para o Gana, Togo e Benim, a maioria das respostas com um olhar vazio (não sabendo muito bem o que há para ser ver nestes países), seguiu-se pela pergunta provisória: "Por quê?"
Ora vivendo eu em São Tomé e Príncipe, fazendo muitas das vezes transfere em Accra com os voos da Tap, nasceu a vontade de conhecer mais a África Ocidental, tão rica em tradições, cultura e ainda pouco explorada. Estes não são países que figuram fortemente nas notícias ou nas lutas globais pelo poder. Não existem grandes pirâmides ou cascatas famosas ou Safaris significativos. Mas o que falta a estes países em termos de poder de estrela do turismo, eles compensam no seu maior recurso: as pessoas.
Uma viagem à África Ocidental é um lembrete de que, em alguns lugares, o mundo permanece praticamente inalterado com o tempo. Comecei a viagem pelo Gana, a explorar a sua capital Acra que não me conquistou pela sua beleza mas sim, pela simpatia natural dos locais. Aqui a música reggae, afrobeat e amapiano é uma constante e só nos sentimos tristes se quisermos.
Os funerais são anunciados publicamente com cartazes gigantes colados nas entradas das casas e as pessoas são convidadas a participar nas festividades para homenagear os falecidos
Os caixões fantasia também são conhecidos por estas bandas e podemos personalizar o nosso próprio caixão consoante a nossa profissão ou gostos pessoais.

O que mais mexeu comigo, foi a quantidade de roupa que se entranha na areia das praias, considerada lixo. Ora eu que trabalhei muitos anos na área do têxtil, deixa-me triste ver como algo que é tão complexo de fazer, é tratado com tanto desprezo. Elas vem do ocidente em contentores de "caridade", e são vendidas em fardos nos mercados locais. Acontece que muitas são de fraca qualidade, vindas das marcas fast fashion e feitas em poliester, o que torna o produto altamente poluente e impróprio para consumo. É assim, urgente haver maior conscientização sobre o consumo e da chamada "reciclagem" adoptada pelas empresas do ocidente.
África está-se a tornar o contentor do mundo!
Visitei antigos fortes coloniais usados para alojar e processar milhões de pessoas raptadas em África, vendidas como escravas e, eventualmente, enviadas através do Atlântico para o novo mundo. É difícil processar as atrocidades cometidas nestas estruturas com 500 anos de idade onde os Portugueses foram um dos maiores responsáveis.

O norte do Gana conquistou-me pela sua beleza verde exuberante, onde habitam comunidades que vivem em plena harmonia com a natureza. Aqui pude visitar várias cascatas perdidas no meio da floresta e carregar baterias nas suas águas.
Mais a sul do pais, bem próximo da fronteira com o Togo, tive uma das melhores experiências da minha vida e que marcou sem dúvida esta viagem. Fiquei alojada numa pequena comunidade que vive mesmo em cima da praia e que tem por habito ali dormir, pois a temperatura é mais moderada que dentro das casas.

Dormi numa cabana modesta feita de bambu, coberta com rede mosquiteira e chão de areia. Os duches eram de balde e caneco, que para além de sustentáveis são tipicamente Africanos. Aqui também existem comunidades sem água potável dentro das casas mas com energia eléctrica a maior parte das vezes.
Na noite de 31 de Dezembro, fui convidada para assistir a uma cerimónia de Vodoo com a contrapartida de oferecer uma garrafa de gin ao líder do grupo. O gin foi partilhado pelos convidados (eu inclusivamente), e se já estava em "transe" com o som dos batuques, as danças ritmadas em movimentos frenéticos e absolutamente fascinantes, com a explosão de cores dos panos estampados que embrulhavam os corpos musculados e suados, aquele gole de gin foi seguido de um agradecimento à vida e à oportunidade de estar ali.
A meia-noite foi anunciada com fogo de artifício sem nunca interromper a cerimónia e o Líder pediu aos seus ancestrais, paz no mundo para 2025.

A capital do Togo, Lomé, abriga um dos maiores mercados de vodoo do mundo. O mercado vende fetiches, amuletos e amuletos que, uma vez abençoados por um sacerdote vodoo, possuem poder, sorte ou fertilidade. Há uma certa sensação de proibição que paira no ar enquanto andas por ali. Ou talvez fosse apenas o cheiro de pássaros podres, cabeças de macacos, cobras e lagartos.
Mas
a capital é curiosamente limpa e organizada com edifícios modernos que vale
apena visitar. O palácio de Lomé foi recentemente remodelado após anos de
abandono e é hoje um dos edifícios mais bonitos da cidade, assim como os seus
jardins, onde é possível ver exposições permanentes sobre a cultura tradicional
e contemporânea do Togo.

E por falar em cultura moderna, não pude deixar de visitar um dos espaços mais criativos de Lomé. É a casa do artista plástico Koumy que por mais de 15 anos e após viver alguns anos na Bélgica, decidiu voltar às suas raízes e mostrar ao mundo o seu trabalho através das suas pinturas e esculturas modernistas, onde transformou a sua casa num autêntico museu aberto ao público. bravo!

A África Ocidental é uma delícia para os fotógrafos. Ao caminhar por esse continente fora, testemunho a vida tradicional, as aldeias vulneráveis e pessoas felizes e sorridentes. As beiras das estradas estão repletas de alimentos e bens sustentáveis. Ao explorar esta região, não posso deixar de pensar: isto é África.
Vou entrar em zona protegida de património da humanidade da UNESCO. Na verdade senti-me a entrar numa nova dimensão, um regresso ao passado onde nunca estive e uma vontade de ficar ali simplesmente a observar uma realidade tão distinta da minha.
Koutammakou, é o pais dos Batammariba que no séc. XI fugiram do Benim para esta zona montanhosa afim de se protegerem do inimigo muçulmano. Não há qualquer vestígio de modernidade e as casas são a sua maior característica. Construídas em adobe e colmo, são arquitetonicamente desenhadas como fortalezas. Para além do seu isolamento térmico, estas casas tem um "altar" onde são sacrificados animais para proteção do lar e de quem o habita. Eu dormi no terraço da casa, uma espécie de mini piscina de barro onde foi colocado um colchão, rede mosquiteira, uma almofada e um cobertor. Foi a noite mais bonita da viagem. Só eu e as estrelas!
Despedi-me
daquele lugar fisicamente mas com a vivência gravada na memória. Felizmente a
globalização não chegou aqui e é bom perceber que há lugares que permanecem
parados no tempo e que nos provam que caminhados para o lado errado.

Ao longo desta viagem tenho de destacar uma constante: a simpatia das crianças. Tal como em São Tomé e Príncipe também aqui são mais que as mães e assim que veem um branco, correm para nos segurar a mão, ou posar para a foto e se rirem histericamente da suas imagens. São sempre dos momentos mais doces onde me perco nas suas brincadeiras e gargalhadas.

Doce e divertida foi a minha visita à tribo Fulanii, uma pequena comunidade instalada no norte do Benim, que vive da produção de queijo. Cheguei bem cedo para ver a ordenha das vacas, trabalho executado apenas pelos homens, que não vão à escola para tomar conta do gado. Cada família tem o seu grupo de casas, com uma mesquita e um tanque comunitário para recolher água e lavar roupa.
As mulheres estão destinadas à produção do queijo e as lides domésticas. Fui convidada a fazer o meu próprio queijo num processo muito tradicional e a visitar as casas onde habitam. Aquela família era particularmente divertida e eu que não me levo a sério aceitei o convite para me aconchegar junto de um local e experimentar a sua cama feita de palha. Tapou-me com o seu cobertor e esticou o braço para cima de mim como um casal apaixonado. O seu pai, o chefe da tribo e o mais brincalhão de todos não me queria deixar ir embora e mesmo não falando a mesma língua, percebemos que a nossa comunicação era através da leveza dos sorrisos.
Uma das minhas atrações favoritas desta viagem é ver os tecidos maravilhosos que as pessoas usam. Nesta parte do mundo, tanto mulheres como homens usam camisas e calças combinando com padrões coloridos e raramente se vê o mesmo padrão duas vezes!
Ornamentados com conchas e missangas, chapéus de palha e osso de animais, as tribos desta parte do globo, tatuam com carvão o seu corpo e desenham cortes nos rostos como um bilhete de identidade.
O Benim é a origem do vodoo e reconhecido como religião oficial desde 1989. As suas praticas religiosas não tem relação com a denominação ou rituais satânicos. A principal conexão com o sagrado no vodoo é o poder da natureza e os seus elementos. A sua crença manifesta-se de diversas maneiras, incluindo fascinantes danças de máscaras. Na maioria dos casos, como alguém que não é dali, fica paralisado a pensar: UAU, onde estou?
Um dos pontos altos desta viagem foi poder participar no maior festival de Vodoo no mundo, na cidade de Ouidah. Ali encontra-se a porta do não retorno, um monumento que simboliza o local de embarque da última viagem dos escravos. É ali que todo o dia 10 de Janeiro, desde 1992, é declarado feriado nacional.
Um dos pontos altos desta viagem foi poder participar no maior festival de Vodoo no mundo, na cidade de Ouidah. Ali encontra-se a porta do não retorno, um monumento que simboliza o local de embarque da última viagem dos escravos. É ali que todo o dia 10 de Janeiro, desde 1992, é declarado feriado nacional.
Um dos espaços mais bonitos e escolhidos pelo festival para ver as diferentes cerimónias de vodoo, é a floresta sagrada. Coberta de árvores centenárias esta floresta recebe cada vez mais adeptos e curiosos que assistem as danças de mulheres recém-iniciadas, circulando a sagrada árvore IROKO. Outro grupo e adepto do vodoo que está associado á divindade do fogo, seguram de forma impressionante os Achinan da sua família, coberto de plumas vermelhas e capas bordadas com lantejoulas, enquanto dançam expressando poderosa força física e espiritual.
Como alguém me disse sobre a sua crença: "O vodoo é doce como açúcar para quem o pratica com fé" e a fé é mesmo isso.
A aldeia flutuante de Ganvie, não muito longe da capital Cotonou é considerada a Veneza de África. Aprendi que há cerca de 500 anos, guerreiros invasores atacaram aldeias locais, onde caçavam e vendiam a população local aos portugueses. As tradições e costumes proibiam-nos de entrar na água, o que resultou no estabelecimento de aldeias flutuantes pelos povos nativos para evitar a captura. Passado meio milénio, cerca de 20.000 pessoas ainda passam a maior parte das suas vidas neste lago. As casas são construídas em estacas, palafitas e cada membro da família tem o seu próprio barco para se poder deslocar. Todas as movimentações são feitas de barco e há inclusivamente negócios flutuantes na sua maioria ligados à pesca.
Esta é a África Ocidental: num minuto estamos imersos na cultura vodoo e nos tambores africanos, e no minuto seguinte és abraçado por lagos silenciosamente habitados por populações de diferentes religiões que vivem em Harmonia.
Foi simplesmente fantástico!
