PARQUE  OBÔ

15-05-2017

Recebi um convite através da minha amiga portuense que trabalha na FAO para uma caminhada solidária contra o abatimento ilegal das árvores no parque natural Obô. 

O trajeto são aproximadamente 25 km (ai Jesus) começa na roça Monte Café e acaba na antiga roça Agostinho Neto. A entidade promotora deste evento foi a Associação Monte Pico fundada em 2006 , tem como objectivo contribuir para a conservação e preservação da natureza e apoiar o desenvolvimento do turismo sustentável. Junta-se a ela membros da equipa FAO e outros apoiantes.

Aderi de imediato, não só pela causa mas porque tenho por hábito fazer longas caminhadas em asfalto, disse bem, asfalto! mas deparo-me com caminhos de terra batida, lama ,folhas secas, pedras e encruzilhadas de árvores caídas, estou na floresta , aqui em São Tomé!

Fui mais ou menos bem equipada , sapatilhas ,roupa de algodão, uns leggins curtos pois as calças seriam demasiado quentes devido á humidade mas mais tarde arrependi-me tal eram os cortes nas pernas provocadas pelas silvas .Chegado ao monte Café é-nos dado água e duas sandes de mortadela para acompanhar no caminho. O João dá inicio á partida e logo começo a perceber a dificuldade do percurso.

Somos aproximadamente 50 pessoas divididas em grupos de 3.Eu fico no grupo do Gege, um dos guias locais que também faz parte da associação Monte Pico especialista em aves, conhece o parque como a palma da mão. Quando começa a descrever a fauna com que nos vamos cruzando , percebemos nele o amor pelo parque.

A primeira sensação que sinto é de emoção, um misto de felicidade e contemplação. De facto a natureza consegue ser perfeita e é no meio dela que percebemos o quanto somos insignificantes e quanto merece o nosso respeito.

No meu trajeto pela floresta densa e húmida vou-me cruzando com cacaueiros, cafeeiros, bananeiras , coqueiros assim como árvores de sombra -espécies cultivadas e muitas espécies espontâneas de árvores, arbustos, lianas e ervas, entre as quais várias endémicas.

Dão-me a provar de quase tudo quando percebem que estou receptiva. Goiaba, morangos (as nossas framboesas), bananas, Folha de goiaba que mastigada serve para a prisão de ventre, a cata piquina para casos de hipertensão, cuaco Maguita para a disfunção eréctil, a folha micócó afrodisíaca também usada no calulu (estes dois últimos não arrisquei).

Ainda só tínhamos caminhado 1km e damos de frente com o incontornável . Árvores de sombra e com importância na estabilidade do solo plantadas há mais de um século são abatidas ilegalmente. São árvores que produzem madeira de alta qualidade, para construção civil e para construção de mobiliários. No entanto , e para abater estas árvores é necessário uma autorização da Direcção das Florestas . Através da campanha "Plantar São Tomé e Príncipe", a Direcção das Florestas diz que pretende em primeiro lugar sensibilizar as crianças das escolas primárias e a população em geral sobre a necessidade de plantio de árvores, mas ali algo não batia certo.

No nosso percurso continuamos a nos cruzar com cascatas e riachos de água fresca , e podemos beber a água que escorre pelas rochas.

15 kms á frente paramos numa das aldeias para descansar e comer algo mas o meu grupo, que cada vez estava mais reduzido e sem o guia decide continuar .Descemos por um gigante túnel forrado por canas de bambo até ao nosso destino, mas quando nos deparamos com o cruzamento a lógica é seguir em frente. Mas não, segundo o Luís um dos membros da FAO diz-nos que é pela direita. A dor nos pés apoderava-se de nós mas mesmo assim não podíamos dar parte fraca.

Começamos a perceber rapidamente que não era por ali o caminho mas não ia contrariar um local de meia idade. Avistamos alguns miúdos a transportar lenha á cabeça e pedimos indicações. Agostinho Neto ainda estava muito longe. O nosso desvio era mais de 5km .grrrrrrrrrr

Um pouco desconfortável com a situação, o luis decide levarmos até a aldeia mais próxima onde a única carrinha existente nos levou até ao nosso destino. Foram os melhores 7kms do percurso mesmo com os solavancos e a posição desconfortável na carrinha de caixa aberta .

Fomos os primeiros a chegar a Agostinho Neto ,as duas tugas (eu e a portuense) vamos diretas a  uma comunidade Cabo Verdeana e uma senhora  septuagenária  prontificou-se a nos ceder a sua humilde casa de banho. Ainda falámos um pouco das dificuldades da vida, da água potável, da falta de saneamento, da suas origens e porque para ali foi...

Uma mesa corrida debaixo de um largo com árvores ao som de morna estava pronta para nos receber. Hoje era sábado, e o ambiente estava tranquilo. Posteriormente voltei a Agostinho Neto num dia de semana e o ambiente era idêntico. As crianças andam por ali descalças a brincar com a água, a incomodar as galinhas ,os cães, e com tudo o que tenham acesso. Aqui são felizes na sua plena liberdade.

O Restante grupo começa a chegar e desconfia da nossa presença, As brrrancas chegaram primeiro? humm....  

Já instalados na mesa comprida começamos por pedir super bock noiva (bem gelada) enquanto o polvo grelhado acompanhado de banana pão e fruta pão não chegava. Alguns de estômagos mais sensíveis pediram omeletas.

Depois dali fomos até á praia da carambola dar um mergulho ao ritmo do pôr-do-sol.

Regressamos a monte café já de noite sobre um céu salpicado de estrelas. Por ali havia agitação e gritaria. Fomos ver o que era. Hoje jogava o Benfica para a final do campeonato e aqui praticamente todos comemoram como se Portugueses fossem. Um espaço semi coberto com um mini ecrã cheio de adeptos ao rubro envoltos em cachecóis do clube , ouvia-se o relato misturado com o som do kizomba. Ora a portuense e eu somos azuis ,logo aquele fenómeno não nos interessava e por isso ficamos a apreciar as "skills" dos bailarinos infantis na pista de dança.

Esse dia em Portugal fez jus ao termo FFF , fado, futebol e Fátima. Mesmo assim ,torci pelo vencedor do festival da Eurovisão, o Salvador ! Aqui a música dele é intitulada como "aborrecida" , claro está.

O dia foi pleno com a promessa de voltarmos na próxima semana para outra caminhada (desta vez bem mais curta) e almoçar na casa do Gege.

Posteriormente nesse dia voltamos a percorrer alguns quilómetros pelo parque natural Obô até chegarmos á cascata vale do rio em Novo destino . Com mais de 50 metros de altura não resistimos a nos atirar para dentro daquela imensidão de água fresca. O regresso a Monte café foi árduo mas esperava-nos Lussua com arroz solto cozinhado pela mãe do Gege. O pitéu foi servido cá fora para mais de 12 pessoas .De prato na mão entre garfadas e risadas a hospitalidade comoveu-me e forrou-me o estômago ,mas mais tarde percebi que era apenas a entrada, depois disto fomos a casa da Dona Isabel provar o seu belo calulu de pato com angu (bolas de mistura de banana pontada ,cosida e pisada no pilão) acompanhada com uma garrafa de casal Garcia.

Senti-me como aquelas bolas de banana de tão cheia que estava mas nem os mosquitos me tiraram a felicidade estampada no rosto.

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